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Educação financeira: como começar em tempos de crise?

Entrevista com o Adm. Fabrício Nunes Azevedo, CRA-ES 8764 – Conselheiro CRA-ES 

Segundo uma pesquisa feita pela Leve, fintech de educação financeira, mais da metade dos brasileiros não sabe se organizar e realizar metas financeiras de longo prazo. A pesquisa ouviu 3.450 pessoas de diversas regiões do país durante os meses de novembro e dezembro de 2021. De acordo com o estudo, 52% dos entrevistados não possuem ou não sabem como montar um planejamento financeiro para os próximos anos. Além disso, 46% disseram que não se sentem confiantes para estabelecer metas de longo prazo (ESTADÃO, 2022).

Segundo especialistas no setor, os dados da pesquisa revelam que, além da ausência de uma formação que envolva educação financeira, como a maioria dos brasileiros vivencia um orçamento apertado, isso dificulta a realização de um esforço para colher metas futuras.

Entretanto, é preciso refletir que a educação financeira não só possibilita planejar o futuro, mas também previne os gastos desnecessários, a perpetuação da cultura consumista e a aquisição de dívidas que comprometem a saúde financeira dos indivíduos.

De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005), educação financeira é “o processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram a sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira que, com informação, formação e orientação, possam desenvolver os valores e as competências necessários para se tornarem mais conscientes das oportunidades e dos riscos neles envolvidos e, então, poderem fazer escolhas bem informadas, saber onde procurar ajuda e adotar outras ações que melhorem o seu bem-estar. Assim, podem contribuir, de modo mais consistente, para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis, comprometidos com o futuro”.

Entrevistamos o professor Fabrício Nunes Azevedo, administrador, economista e conselheiro do Conselho Regional de Administração do Espírito Santo (CRA-ES) sobre este assunto, com a finalidade de compreender os primeiros passos do processo de educação financeira.

CRA-ES: Qual é a importância de cuidar bem das finanças?

Fabrício: A importância de cuidar bem das finanças é, principalmente, com relação à gestão dos patrimônios, se a gente pretende fazer, ao longo da nossa vida, a gestão da aposentadoria, que falamos ser “o futuro incerto”. O cuidar das finanças hoje significa dizer que estamos construindo patrimônio e reservas financeiras para que tenhamos uma aposentadoria mais organizada, que consiga suprir nossas necessidades lá no futuro. A maioria das pessoas fica muito dependente do INSS, e o INSS às vezes não é suficiente para pagar as contas básicas, de alimentação, saúde e custos de manutenção de uma residência. Então, se a gente construiu um patrimônio para gerar renda lá na frente, renda que denominamos passiva, ela é extremamente importante para essa finalidade.

CRA-ES: Como identificar se temos adotado bons ou maus hábitos financeiros?

Fabrício: A identificação de bons ou maus hábitos financeiros se dá com relação às sobras que a gente tem no final de cada mês. Eu estou colocando em período de meses, lembrando que a maioria das pessoas é assalariada, então assim fica mais fácil. Normalmente quando a gente não consegue reservar parte do nosso capital para fazer um investimento, a gestão dos nossos recursos financeiros, da nossa vida futura financeira, da nossa aposentadoria, então significa dizer que os nossos hábitos não estão adequados à nossa renda.

Então vou colocar assim: no 0 a 0, a gente está no sinal amarelo; fechando o mês no negativo, a gente está no sinal vermelho; e, se a gente está fechando o mês com um saldo positivo, quer dizer que está sobrando dinheiro entre receita e despesa, então significa dizer que eu ainda vou conseguir reservar a parte desse capital para investimentos futuros, para uma aposentadoria.

Algo bastante importante de ser dito é que, em economia, afirmamos que normalmente as pessoas devem reservar pelo menos 20% ou 30% da renda mensal para essa finalidade.

CRA-ES: É possível ter organização financeira em tempos de crise e inflação?

Fabrício: Em tempos de crise e inflação, é possível sim fazermos uma boa gestão financeira dos nossos recursos. Provavelmente o nosso orçamento, a nossa receita, a entrada, ela pode ser reduzida seja por algum motivo com relação a trabalho, redução salarial ou uma redução gerada pela própria inflação. O que precisamos fazer é adequar os nossos hábitos de consumo, retirar da nossa lista de consumo mensal aquilo que não é tão necessário e, aquilo que for necessário a gente selecionar o que é mais importante para a gente em termos de consumo, desde a alimentação até produtos e serviços que a gente consome. Vou dar um exemplo: às vezes, temos assinaturas de plataformas de streaming, que são essas de filmes e de séries. Às vezes, a pessoa tem várias: Netflix, Amazon, Prime, Disney, tem uma TV a cabo. Será que a gente assiste a todas elas durante o mês? Então, se você retirar a maioria delas, já é suficiente para que tenha um entretenimento de qualidade, assim como um custo menor. Então começamos a selecionar. Se vamos ao supermercado e fazemos um consumo muito grande de alimentos que são industrializados, por exemplo, posso fazer uma verificação se eles realmente são importantes para compor minha cesta básica de alimentação. Assim é a gestão em momentos de inflação elevada, com problemas que afetam diretamente a nossa receita e diminuem o nosso orçamento. É necessário fazermos uma readequação do estilo de vida. Agora é muito importante manter uma reserva e não a utilizar, a não ser em extrema necessidade. E seguir fazendo essa reserva. Muitas vezes, nestes momentos, não consigo imaginar destinar de 30% a 20% para esta finalidade, mas é importante ter esse foco.

CRA-ES: De que forma começar a organização financeira pessoal? Pode nos dar dicas ou um passo a passo inicial?

Fabrício: A organização financeira pessoal começa quando a pessoa reconhece que precisa fazer isso. Então costumamos dizer o seguinte: a gente só vai ter a organização financeira quando a gente cai por si, né?! Na maioria das vezes, as pessoas fazem isso quando elas estão com problema financeiro, aí elas buscam se organizar financeiramente para eliminar essas dívidas e os problemas financeiros que surgiram. Mas o ideal é que você faça isso correntemente. A organização financeira é no cotidiano e diária. A gente tem que se comportar, avaliar ou organizar isso diariamente, todos os nossos gastos e as nossas receitas.

Eu sugiro começar anotando receitas e despesas. A gente cria uma planilhazinha básica, pode ser um caderno, pode ser uma planilha do Excel, em que a pessoa se sinta mais confortável. Hoje há vários aplicativos de organização. Devemos buscar uma forma dessas e ir registrando todas as nossas receitas e despesas, para começar a identificar aquilo que realmente é necessário no nosso orçamento e aquilo que não é necessário. Assim a gente começa a se organizar financeiramente na nossa vida, ou seja, coloca a atenção nos nossos recebimentos e nas nossas despesas e começa a fazer estratégias de destinação dos recursos.

O próximo passo é quitar todas as dívidas. Quando eu falo sobre dívidas, não cabem aí investimentos. São empréstimos, um cartão de crédito, principalmente as de curto prazo com juros mais altos. O segundo passo é fazer o dinheiro sobrar. Esse talvez seja o passo mais difícil, buscar fazer investimentos conscientes e que realmente vão fazendo o patrimônio crescer. 

Então se você não sabe fazer, busque um profissional que consiga fazer com você o planejamento dos investimentos financeiros pessoais e monte uma carteira de investimento que te ajude a fazer a construção de um portfólio de investimentos.

O professor Fabrício ensina que, ao buscar educar-se financeiramente, o indivíduo torna-se mais consciente, planeja o futuro, ganha uma vida com maior bem-estar e segurança.  Uma boa saúde financeira é algo estimulante, “uma vez que você começa a ver o seu patrimônio crescer, você toma gosto com relação à sua organização financeira pessoal. Quem não gosta de ver sua conta mais recheada e os investimentos realmente dando retorno?”.

Aproveite essas dicas e comece hoje mesmo a se organizar.